Pertencer à reabilitação


Outubro 2023

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Numa ilha a última fronteira é o mar, até ele terra firme e para além dele as incertezas das águas. Dentro da ilha, estamos seguros e confortáveis, e fora dela, navegamos na incerteza e no desconforto.

Sendo cada um de nós uma pequena ilha, em diferentes fases da vida encontramo-nos ora dentro ora fora da nossa ilha, umas vezes por vontade e iniciativa própria, outras por motivos alheios e dos quais não temos controlo. Quem enfrentou um processo de reabilitação encontrou certamente algumas experiências de navegação fora da sua própria ilha, desafios físicos, emocionais e psicológicos, aos quais nunca tinha sido exposto anteriormente.

Lidar com esses desafios da melhor forma possível torna-se fundamental para o processo de reabilitação. Investigadores das áreas da psicologia e da filosofia como Freud, Lewin, Antonovsky e, Lazarus e Folkman estudaram este mecanismo e as formas como o ser-humano lida com os desafios, contribuindo para o desenvolvimento do conceito de "coping".

"Coping" é um conceito que aborda os esforços cognitivos e comportamentais que as pessoas realizam para lidar com situações de stress, pressão ou adversidade. Numa primeira fase, após a confrontação com uma destas situações, o impulso natural é uma reação direta através de uma avaliação cognitiva, dividida em duas fases. Inicialmente uma avaliação primária é realizada, onde se procura compreender se esta situação é relevante e se se percebe como ameaçadora ou desafiadora. Sendo considerada como relevante e stressante, a pessoa passa a uma avaliação secundária. Na avaliação secundária, existe uma interpretação dos recursos pessoais e estratégias disponíveis para lidar com a situação em causa. Esta avaliação inclui a interpretação das habilidades pessoais disponíveis, o apoio social, experiências passadas e outras capacidades para enfrentar a situação adversa.

Após esta primeira interpretação e com base nela, surge a ação e desta forma surge a aplicação das estratégias de "coping" na situação problema em questão. Existem assim três grupos fundamentais, o "coping" problemático, orientado ao problema e onde o indivíduo se concentra no que tem controlo, assumindo assim a tomada de iniciativa e medidas para resolver o problema, de forma direta. O "coping" emocional, mais orientado a uma gestão emocional, onde o controlo do problema não depende da pessoa, mas a pessoa foca-se no controlo emocional em relação à situação. Por fim, o "coping" focalizado na evitação, onde se evita o problema e as emoções associadas, sendo algo adaptativo e temporário, que pode não resolver o problema a longo prazo.

Deste modo, na necessidade de um processo de reabilitação física e sair da nossa confortável ilha, existem recursos e estratégias com as quais podemos melhorar o nosso processo de reabilitação, aumentando as hipóteses de sucesso na nossa reabilitação. O "coping" pode melhorar a nossa própria reabilitação, fazendo-nos promover ações como: participar ativamente na reabilitação, enfrentar ativamente o problema, gerir as nossas emoções, fortalecer-nos cognitivamente, procurando e aceitando o apoio social, trabalhar a aceitação e educar-nos para a situação a enfrentar, são elementos fundamentais a uma reabilitação bem sucedida ou como quem diz, a uma boa navegação fora da nossa ilha.

Com base nas estratégias de "coping", de uma forma proativa, o paciente pode adotar uma abordagem ativa à sua reabilitação, seguindo as recomendações e orientações fornecidas pelos profissionais que o acompanham, praticando exercício e terapia regularmente e empenhando-se no processo. Emocionalmente, sair da nossa ilha e realizar reabilitação física é um processo exigente, sendo comum a existência de frustração, tristeza ou ansiedade, pelo que adquirir e recorrer a estratégias como consultar um terapeuta, psicólogo ou um conselheiro para gerir as emoções, praticar relaxamento, realizar focos de atenção plena e procurar suporte emocional de terceiros faz parte do processo de reabilitação.

Associada, ainda, está a capacidade de gerir e lutar contra a nossa componente cognitiva, principalmente caso esteja a contribuir de forma negativa. Realizar uma reestruturação cognitiva é importante, de forma a consolidar um pensamento positivo, forte e realista sobre a reabilitação, ao invés de pensamentos negativos e derrotistas, de forma a promover esperança e motivação para o processo. É também importante não desprezar a aceitação e construção de uma boa rede de suporte e apoio social. Este apoio pode contribuir positivamente como um extra nas componentes emocionais e de motivação, mas também como assistência e facilitador. Por fim, a aceitação e educação são ferramentas que promovem a aprendizagem e compreensão sobre a reabilitação que, desde que de forma segura e confiável, pode ser positivo visto que aumenta os níveis de confiança e de capacitação e pode prevenir situações prejudiciais. Por sua vez, aceitar a situação e a adversidade é importante para que não se realize o processo em constante negação, sendo importante um ajustamento das expectativas e a procura de novas formas de viver uma vida com significado.

O processo de reabilitação física, pode ser complexo, dependente de muitas variáveis, exigente e muito diferenciado de pessoa para pessoa. Independentemente disso, usar as diferentes estratégias de "coping", de forma adequada a cada indivíduo e reabilitação, aumentará as probabilidades de um processo de reabilitação bem sucedido, com menores riscos, uma sobrecarga emocional negativa menor e com impactos negativos mais reduzidos.

Além disso, não nos esqueçamos de uma mensagem deixada por Saramago, “É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.”. Deste modo, este também pode ser um processo enriquecedor, onde aumentamos o nosso autoconhecimento, fortalecendo-nos física, emocional e cognitivamente, aumentando e fortalecendo a nossa rede de suporte e apoio social, talvez adquirindo maior consciência e sensibilidade para um novo tipo de contextos e até conhecimento e capacidade de prevenção para episódios futuros.

Pertencer à (nossa) reabilitação é do nosso controlo, é uma opção individual e que o maior recurso gasto somos nós mesmos. É um conjunto de atitudes e ações que se promovem pelo bem estar pessoal e pelo nosso próprio futuro.

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Este artigo foi escrito por Gil Dias.

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